O setor é formado por clientes exigentes, fiéis e que gastam muito
Por Rafael Farias Teixeira para Revista PEGN
OS TRÊS NERDS
Zunk (à esq.), Altavista (ao fundo) e Pranaltis (à dir.) uniram-se pelo interesse em colecionismo e pretendem criar o paraíso nerd na loja Limited Edition
Por muito tempo os nerds foram considerados párias por sua inaptidão social, suas péssimas escolhas de figurino, seus óculos de armações grossas e seus interesses um tanto herméticos para os não “iniciados”: quadrinhos, games, computação, ficção científica, RPG (Role Playing Game). A imagem estereotipada ficou para trás. Eles hoje representam um mercado lucrativo — e todos aqueles assuntos, que antes pareciam enfadonhos, passaram a atrair um público ainda maior. “Nós estamos vivendo ‘A Vingança dos Nerds’, porque esse é um mercado que está na moda. Ser nerd é in”, afirma Fábio Mariano, professor de comportamento do consumo aplicado da faculdade ESPM.
O Omelete, principal site de “nerdices” do Brasil, recebe mais de 1 milhão de visitas por mês. Marcelo Forlani, 34 anos, um de seus criadores, planeja um crescimento de 50% no faturamento em 2010 — encerrou o ano passado com R$ 1,2 milhão, fruto principalmente de publicidade. Furlani começou o Omelete em 2000, depois que sentiu falta de um veículo que falasse sobre quadrinhos. Reuniu-se com o amigo de infância, Érico Borgo, e começaram o projeto que hoje reúne outros assuntos de cultura pop para atrair um número maior de internautas. “Nós percebemos que, se fôssemos falar apenas de quadrinhos, iríamos ter um número muito limitado de visitantes. Por isso acrescentamos música, cinema e séries de TV.”
Consumidores fanáticos: eis o mercado gigante de que fala Forlani. “Um cara que sabe a escalação do América em 1943 é um nerd também, só que de esportes”, diz. É uma brincadeira. Por enquanto, ele não pretende sair da esfera cultural e tecnológica . O que ele quer dizer com sua frase é que o público de nerds — também conhecidos como geeks — cresce a cada dia. “No nosso trabalho, conhecemos várias pessoas que ‘saíram do armário’, que estão descobrindo que são nerds”, afirma Forlani. Os empreendedores que enxergam aí uma oportunidade têm que lidar com clientes exigentes, fiéis e dispostos a gastar muito dinheiro para ter aquele game, DVD ou gibi.
TUDO POR UMA COLEÇÃO
Os colecionáveis têm encontrado espaço confortável nas carteiras dos consumidores. São estátuas, bonecos, livros — em edições especiais e limitadas. O assunto pode variar entre quadrinhos, cinema, música, ficção científica, RPG, mas o importante é o caráter raro do item, como uma estátua fac-similar do personagem Jack Sparrow, da franquia cinematográfica Piratas do Caribe, com cabelo humano, roupas de verdade e assinada pelo ator Johnny Depp — vendida recentemente pela loja Limited Edition pela bagatela de R$ 10 mil.
A Limited Edition foi criada por um trio de amigos nerds, mas com formações diferentes: Stevin Zunk, 35 anos, médico; Daniel Altavista, 34, publicitário; e Rodolfo Pranaitis, 24, formado em educação física. “O Rodolfo já possuía uma loja on-line especializada. Mas não existia em São Paulo um espaço físico para a venda de colecionáveis”, afirma Zunk. “Nós geralmente comprávamos por sites estrangeiros ou durante viagens.”
DUAS GERAÇÕES, UM NEGÓCIO
Mesmo não gostando de quadrinhos, Camilo (à dir.), ainda ajuda o filho Ricardo com a loja especializada Comix
Com um investimento inicial de R$ 300 mil, a loja, que fica no bairro dos Jardins, em São Paulo, pode ser definida como uma grife para os nerds, mas seus donos pre¬ferem pensá-la como um paraíso. “Queremos que a Limited Edition seja mais que uma loja — um local de referência para outros colecionadores”, diz Zunk. Há um espaço reservado e formatado como lounge, com máquina de café e acesso à internet para promover a socialização das pessoas que se interessam pelo assunto. “Daqui a alguns anos, o nosso sonho é ampliar esse ambiente.” A Limited Edition também investe em quadrinhos importados, DVDs e Blue-rays. “Não é apenas uma loja, é uma butique para um público que realmente procura coisas raras”, afirma o cliente Arthur Sauerbronn, 29 anos, chef de cozinha, dono de restaurante e colecionador desde pequeno. Na última vez que saiu da loja, Sauerbronn levou para casa uma réplica da bengala do Coringa.
No início, achar essas peças únicas acabou se mostrando o principal problema para o trio de empreendedores. “Eram sempre os mesmos fornecedores com os mesmos produtos”, diz Zunk. “Acabamos com essa dificuldade quando começamos a importar por conta própria.” A loja atende a encomendas específicas e tem um setor para procurar os itens mais desejados pelos colecionadores. Apenas oito meses depois de aberta, a Limited Edition acumulou um faturamento bruto de aproximadamente R$ 800 mil. “Hoje em dia o público é muito grande. Tudo que tem cultura pop é um pouco nerd”, afirma Zunk.
DAS BANCAS PARA AS LIVRARIAS
O crescimento da loja de quadrinhos Comix traz semelhanças com a própria evolução do mercado da chamada nona arte — as histórias em quadrinhos já são consideradas arte por muitos. Aberta por Carlos Mann em 1986 como uma simples banca de revistas especializada no assunto, a Comix tornou-se popular e cresceu o suficiente para se tornar uma loja de dois andares no bairro dos Jardins, em São Paulo. Hoje, é comandada por seu irmão Ricardo Jorge de Freitas Rodrigues, 37 anos, e por seu pai, Camilo, de 75. “O mercado era muito pequeno quando começamos”, afirma Rodrigues. “Hoje em dia temos uma gama muito extensa de títulos, que atinge os mais diversos públicos.”
Os quadrinhos no Brasil deixaram de ser artigo de bancas para tomar as estantes das livrarias com suas versões encadernadas e graphic novels (romances quadrinizados). “Até 2000, as livrarias no Brasil não queriam saber dos quadrinhos” diz Rodrigues. Nos Estados Unidos, onde o mercado é bem mais avançado, as revistas em quadrinhos movimentaram US$ 393,8 milhões em 2009 (até novembro).
A Comix fechou 2009 com um faturamento de R$1,5 milhão — um crescimento de 8% em relação a 2008 — e hoje fornece produtos para 30 lojas espalhadas pelo Brasil, conquistando públicos em cidades em que alguns títulos não chegam. Além dos 40 mil itens, nacionais e internacionais, o empreendimento possui um estoque com mais de 1 milhão de produtos. São, além dos gibis, DVDs, card games e outros produtos específicos, todos vendidos também pela loja on-line, lançada em 2005. Saber o que vai agradar aos fãs é uma grande dificuldade para quem resolve abrir uma loja no ramo. “Você nunca sabe o que vai vender. Às vezes, compramos 100 números de um que não sai, e 20 de outro, que se esgota”, afirma Camilo. Apesar de não compartilhar do gosto por quadrinhos dos seus filhos, ele ajuda nos (bons) negócios.
NOTA ALTA
Com sua paixão pelos games, Calil deixou o ramo de confecções para faturar R$2 milhões por mês em 11 lojas
O sucesso da Comix incentivou Rodrigues a promover o evento Fest Comix, feira de quadrinhos que acontece anualmente em São Paulo desde 2002. Os descontos oferecidos e a presença de diversas editoras atraem uma média de 12 mil visitantes. “É o que eu chamo de investimento de marca, porque ajuda a divulgar o nome da loja”, afirma. A Comix também participa de festivais em alguns estados para ajudar na publicidade da loja. Outro evento que mostra a força desse mercado no Brasil é o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), realizado de dois em dois anos em Belo Horizonte desde 1999. Em 2009, 75 mil pessoas passaram pelos estandes do FIQ no Palácio das Artes.
Em 2010, a Comix planeja se expandir por meio de franquias. E pretende criar mais uma feira de quadrinhos ligada a diferentes assuntos da cultura pop. “Se as editoras continuarem investindo como até o momento, estamos confiantes de que teremos um crescimento de 10% neste ano”, afirma Rodrigues.
NO MEU VIDEOGAME OU NO SEU?
Entre os interesses do nerd clássico, o que com certeza movimenta mais dinheiro atualmente é o mundo dos videogames. Jogue o primeiro joystick aquele que nunca se pegou tentando passar para uma nova fase ou “matar um chefão” em um game qualquer. Hoje, com a chegada de novos aparelhos que prometem incluir todos os membros da família, é difícil encontrar alguém que não tenha se tornado um astro do rock por um dia em Guitar Hero, ou tenha empunhado o controle do Wii como se fosse uma raquete de tênis. “Os games não são mais um nicho, são um segmento”, afirma o professor Fábio Mariano. “Em todas as classes sociais nós vemos um aumento da presença de videogames. Além disso, esses produtos se tornaram mais ‘amistosos’ e acessíveis para quem não era acostumado com esse universo.” Só em novembro de 2009, o mercado de games movimentou US$ 2,7 bilhões apenas nos Estados Unidos, e 1,26 milhão de unidades do console Wii foram vendidas, segundo a empresa de análise The NPD.
Se dependesse do pai, Marcos Calil, 41 anos, estaria bem longe desse mercado, cuidando das empresas da família no ramo de confecções. Ao completar 18 anos, ele recebeu do pai a proposta de administrar uma de suas lojas, mas recusou, justificando que preferia montar uma de games. “Na época eu já tinha um negócio meio de garagem, fundo de casa, sabe?” A primeira unidade da UZ Games surgiu na época do console Atari, em 1974, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, quando, depois da ausência do pai nos negócios, por conta de um ataque cardíaco, Calil resolveu transformar três lojas de roupas em três lojas de games. “Ele quase morreu, quando saiu do hospital, depois de três meses”, diz, rindo.
Em lojas de rua ele percebeu que o negócio não deslanchava. Era necessário evitar o público constantemente seduzido pela pirataria. “Para fugir da ilegalidade, nós precisávamos ir para os shoppings, pegar um público mais elitizado, disposto a gastar dinheiro para ter o produto oficial”, afirma. Calil investiu em cada uma das três primeiras lojas uma quantia (em valores atuais) de aproximadamente R$ 70 mil — ainda na época do cruzeiro novo — e hoje fatura R$ 2 milhões por mês, em média, com suas 11 unidades próprias. Apesar do alto custo — para abrir uma franquia da UZ Games em São Paulo é preciso um investimento de R$ 350 mil —, isso não parece ser um problema. A marca já tem 12 franqueados e está presente em três estados. Uma unidade pode faturar entre R$ 60 mil e R$ 150 mil por mês, com prazo de retorno do capital investido de um a dois anos. “Estamos no estado onde há mais pirataria no Brasil e conseguimos nos manter por 25 anos. O importante é achar um bom local e cativar um público que esteja disposto a comprar o produto original”, diz Calil. Ele planeja continuar sua expansão procurando franqueados nas principais capitais do Brasil e abrindo lojas em pontos estratégicos.
Não se pode afirmar que não haja criptonitas pelo caminho, mas a tendência é que esse mercado continue crescendo. “Abrir uma empresa nesse segmento é um excelente negócio. O segredo é que você trabalha com um público menor, mas obtém lucro maior”, diz o professor Mariano. Para o alto e avante.
COMO EXPLORAR O MERCADO NERD | 4 pontos para prestar atenção
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DIVULGAÇÃO
Participar de feiras e eventos centrados na especialidade do negócio ajuda a divulgar a marca e a trazer novos clientes. A utilização de redes sociais, como o Twitter, e parcerias com sites que falem sobre o tema também auxiliam a angariar novos compradores. Os nerds adoram conversar sobre suas áreas de interesse. Por isso, é estratégico participar de fóruns de discussão |
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FORNECEDORES
Mantenha uma rede de fornecedores confiáveis e que sempre ofereçam novos produtos. Os nerds procuram por novidades e qualidade. Não faça estoques de itens se você não tem certeza de que irão vender. Nesses casos, sempre trabalhe com encomendas por demanda |
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FIDELIDADE
Cative seu cliente como um amigo nerd. Ofereça sempre boas sugestões e atendimento cuidadoso. Assim, ele saberá exatamente o que comprar. Envie newsletters com novidades e descontos para clientes antigos e fiéis |
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FUNCIONÁRIOS
Em um mercado tão específico, é preciso contar com empregados que possam opinar e oferecer informações detalhadas sobre os produtos vendidos. “Mesmo que no início algum funcionário não seja nerd, acabará se tornando um, devido ao convívio com os sócios e os clientes”, afirma Stevin Zunk, da Limited Edition |
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QUANTO CRESCE O MERCADO NERD (EM %)
70% Livros de ficção científica
19% Livros de RPG
18% Smartphones e acessórios
15% Games
15% DVDS de ficção científica
10% Quadrinhos
5% Informática
-4% Séries de TV
Fonte: Dados da FNAC Brasil (2008-2009) |
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